O ano é 2019. Messi está no seu primeiro ano longe do Barcelona e resolveu voltar ao Newell´s depois de seis meses frustrantes jogando pelo Málaga, onde chegou para ser o principal nome dos Boquerones na Liga dos Campeões.
Campeão do mundo em 2018, o argentino não precisava mais provar nada a ninguém. Aqueles que duvidavam de que ele nunca venceria um Mundial pela sua nação se calaram quando ele fez os dois gols diante da Holanda na vitória albiceleste por 3 a 1, que perdeu sua terceira final consecutiva e resolveu se autoproclamar campeã moral do evento na Rússia por número majoritário de presenças em decisões.
Em janeiro de 19, Messi já está com 31 anos e passou a jogar mais recuado. Muitos problemas musculares começaram a alterar sua forma física, que sempre esteve em evolução desde os tempos que ele tomava suplementos contra o nanismo. Pois o veterano Lionel sentiu o peso do alto nível, das constantes vitórias e do vigor. Ostentava uma barriga e dizia que era fruto das vitaminas que tomou quando mais novo.
Chegou em Rosario para ficar e com muita festa. A torcida, em polvorosa, cantava e xingava o Barcelona, que desprezou seu ídolo um ano antes. Fizeram o mesmo com Ronaldinho e agora deixavam Leo livre para reviver sua paixão de menino. No primeiro jogo pelo Torneo Final, fez um gol e deu uma assistência contra o Banfield. Era o melhor cartão de visitas possível. Vice-campeão argentino no ano anterior, o Newell´s também estava na Libertadores.
Um grupo simples na Libertadores
No grupo, o Botafogo, vice-brasileiro de 2018, o Tolima, campeão colombiano e o Zamora, café com leite. Os leprosos venceram o Tolima por 3-0, passaram pelo Zamora fazendo um épico 7-1 com três de Messi e empataram por 2-2 no Rio com o Botafogo de Fellype Gabriel e Ganso, um fantasma desde que fracassou no Swansea. O returno marcou uma vitória do Newell´s por 1-0 e Messi ficou do banco após sentir uma fisgada na coxa direita. Era a classificação garantida.
Nas oitavas de final, um adversário duríssimo. O Atlético Nacional de Pabón e Guarín era a sensação da primeira fase, quando fez 11 pontos no chamado grupo da morte contra Universidad de Chile, Grêmio e Racing. E mesmo assim caiu diante os argentinos, perdendo os dois jogos com suados placares de 1-0. Messi fez de pênalti aos 38 do segundo tempo no segundo jogo, quando os Verdolagas pressionavam o Newell´s de forma insana com quatro atacantes. O futebol colombiano caía cedo, apesar de viver bons tempos com sua seleção, quadrifinalista da Copa do Mundo em 2014 e semifinalista em 2018.
Um Zidane perdido
Enzo Zidane era a principal aposta do River Plate para tentar o título sul-americano. Emprestado pelo Real Madrid graças a uma campanha iniciada por Enzo Francescoli, ídolo do pai do menino, Enzo (o Zidane) foi passar um ano em Buenos Aires e resolveu esticar sua estadia no Monumental. Campeão do Clausura em 2018, fez grande dupla com a promessa não cumprida Rogelio Funes Mori, este que tentou a sorte na Europa por Pescara, Granada e Valladolid, sem sucesso. Nas quartas da Libertadores contra o NOB de Messi, Enzo precisava mostrar que era competente.
Em casa, no Coloso del Parque, o Newell´s cozinhou o jogo contra o River e segurou em apuros um 1-0 até os 35 do segundo tempo, quando o capitão Messi achou um gol com um chutaço de 38 metros, no ângulo do gol de Romero. 2-0 e o treinador Ricardo Gareca fechou seu time para administrar a boa vantagem. No Monumental, um empate sem gols classificou os leprosos às semis.
Messi imita Diego em 86
Perto de seu objetivo, Messi liderava o seu time à semifinal da Libertadores. Do outro lado, vinha o Colo-Colo de Valdívia e Matías Fernández. Responsáveis pela eliminação de dois brasileiros em sequência (Santos e Grêmio), os chilenos vinham comendo a bola. Valdívia, que jogava apenas 45 minutos em 180 possíveis, deu alguns passes venenosos antes de chutar o vento ao tentar driblar o marcador e cair lesionado. Substituído e chorando, o Mago viu dos vestiários a derrocada dos Caciques. 3-0 para os argentinos no Estádio Nacional de Santiago. E novamente comMessi sendo brilhante, apesar de correr pouco. Ele enxergava espaços onde os rivais demoravam minutos para calcular as chances.
No segundo jogo, ele entrou com uma energia estranha. O Coloso del Parque estava completamente lotado quando aos 30 minutos iniciais, o placar apontava 1-0 para os donos da casa. Messi domina a bola no campo de defesa, rola alguns centímetros para a frente e espera o marcador, que não dá o bote. De repente ele começa a correr e deixa um, dois, três, quatro e o goleiro para trás, esse já sem esperança. Com o pique, Messi reviveu Maradona em 1986 contra a Inglaterra. Era o fim do Colo-Colo. 2-0 para o Newell´s.
Hora da verdade: um inimigo íntimo
A imprensa argentina estava extasiada com o feito de Leo. Como poderia recriar aquele momento com tanta facilidade? Seria ele a força por trás do segundo título sul-americano dos leprosos? Para o Olé, os "Leoprosos de Rosário" botariam o Botafogo para correr. O Glorioso, aliás, tinha Seedorf como treinador, e o holandês esbanjava bom humor e confiança nas coletivas antes do jogo. Apenas contestou a forma de Ganso, a quem chamou a responsabilidade pela criação na final. No caminho para a final, enfrentaram o Cruzeiro nas oitavas, o Peñarol nas quartas e o engenhoso Criciúma de Patito Rodríguez, Maikon Leite e Rodrigo Caio nas semis.
Inimigo íntimo do Newell´s, o Botafogo dizia ter a fórmula secreta para impedir a conquista argentina. A marcação seria especial em Messi, o homem a ser temido na equipe de Gareca. El Tigre, por sua vez, prometia armar uma formação ofensiva, sem medo dos blefes de Seedorf. E desse jeito foram até o Maracanã (pois o Engenhão precisou de uma reforma após a descoberta de um poço de petróleo bem debaixo da bandeira de escanteio próxima ao setor Brahma) para empatar por 1-1. As estatísticas apontavam que Ganso passou exatos 14m49s parado com as mãos na cintura. Fellype Gabriel correu por ele e incansável deu a assistência para um gol de placa de Dentinho, contratado a peso de ouro e que demorou oito jogos para voltar a marcar. Abel Hernández descontou para os visitantes.
Foto: La Capital |
Carnaval no Colosso
Qualquer vitória daria ao Newell´s o título da Libertadores. Era um duelo técnico entre duas equipes perigosíssimas. Neste ponto, Gareca e Seedorf não deixaram a desejar. Messi entrou cercado de crianças, todas as rubronegras de Rosário estavam com o seu camisa 10 naquela noite.
Sob vaias, o Botafogo subiu ao gramado. Apenas um jogador foi hostilizado pelas duas torcidas: Ganso, que declarou dias antes em derrota para o Santa Cruz que não estava feliz, mas que faria tudo possível para ser campeão com o alvinegro de General Severiano. Os cariocas presentes atiravam moedas e ostentavam um bandeirão que dizia: "É hoje que afogamos o ganso".
Nesse clima, Messi ficou preso à marcação e viu sua equipe abrir os trabalhos com Hernández e Piatti. Cuadrado, o xodó colombiano do Fogão, diminuiu e deu esperança aos torcedores do Bota que já roíam todas as unhas possíveis. Foi aí que Breno cometeu o crime e calçou Hernández no bico da área, aos 41 do segundo tempo. Pênalti. Messi respirou fundo. Olhou para as arquibancadas e relembrou quando ouviu de ingratos argentinos a pecha de pé frio. Mirou as redes de Milton Raphael e correu. O estádio se calou. Bola no ângulo: 3-1.
Leo estava mesmo cansado de ouvir piadinhas e comparações com Taison. Inconformado em não ganhar uma Libertadores, voltou e cumpriu a promessa de ser campeão sul-americano com o seu clube de criança. O tempo tratou de mostrar que o argentino era melhor que o atacante que começou no Inter, passou pelo Metalist, Shakhtar, Arsenal e Everton. Em sua casa, Wianey Carlet ouvia gritos de "MESSI! MESSI! MESSI!" vindos da rua. Recolheu um pôster de Taison em sua sala, abaixou o retrato que tirou com o jogador e rasgou o artigo que lhe tornou um legítimo parlapatão em 2009, quando ousou dizer que o brasileiro teria algum rival no futuro.
Assim o futebol continuou normalmente, sem impedir um mito de conquistar um título em seu continente. E com o Botafogo respeitando sua tradição, claro.
Felipe Portes é estudante de jornalismo, tem 23 anos e é redator na Trivela, além de ser o dono e criador da Total Football. Work-a-holic, come, bebe e respira futebol.
"O futebol na minha vida é questão de fantasia, de imaginário. Fosse uma ciência exata, seria apenas praticado por robôs. Nunca fui bom em cálculos e fórmulas, o lado humano me fascina muito mais do que o favoritismo e as vitórias consideradas certas. Surpresas são mais saborosas do que hegemonias."
No twitter, @portesovic.
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